O Cauim do Inhapuambuçu


O Cauim Tiakau é o pioneiro de uma nova categoria de bebidas alcoólicas que está surgindo no mercado: o 'cauim contemporâneo'.

Até então o cauim só era produzido em aldeias indígenas, por praticamente todas as mais de 250 etnias brasileiras, más só agora começa a chegar ao mercado para consumo geral.

A característica mais interessante da produção desta bebida é o uso da amilase, uma enzima encontrada na natureza que transforma o amido em açúcares fermentáveis. Nossos povos indígenas mastigavam (e ainda mastigam) a mandioca, assim como os japoneses faziam com o arroz. O propósito de amobos é o mesmo, usar a amilase presente em nossa saliva para realizar esse feito.

Como o Cauim Tiakau foi pensado para consumo comercial, utilizamos outras técnicas para produzir a bebida, obviamente sem utilizar o processo de mastigação: 

-O processo japonês que utiliza o koji, um fungo (Aspergillus oryzae) encontrado na natureza que, assim como a saliva, quebra as cadeias de amido em açúcares. e...

- O processo enzimático, que utiliza enzimas industriais já prontas para o mesmo fim. 

Nossa proposta foi recriar o cauim que era consumido aqui na região do triângulo histórico de São Paulo, por Tibiriçá e Bartira, com as mais modernas técnicas de produção de bebidas.

Nosso método de produção é baseado no tradicional método japonês de se fazer saquê. Após um meticuloso estudo, adaptamos e transformamos essa técnica milenar para trabalhar com a raiz sagrada dos povos tupis: a mandioca. Amamos a estética japonesa e também a tupi. Foi assim que decidimos unir as duas culturas que, há mais de 20.000 anos, se separaram ao cruzar o Estreito de Bering - Agora, elas se encontram novamente em um copo de cauim.

O Cauim de Inhapuambuçu

No local onde é hoje o Forum João Mendes existiram as aldeias de Caiubi e Tibiriçá, o lar dos nossos povos originários. Mais ao sul, onde fica hoje o Jardim Oriental da Liberdade, existia Morro Careca do Inhapuambuçu com a Itaecerá, pedra quadrangular, atingida por um raio, usada como marco geomântico.

O Morro Careca do Inhapuambuçu, que no século 17 foi conhecido como Morro da Forca foi nivelado e transfomardo no Jardim Oriental, próximo ao Torii, o portal japonês da Liberdade.

O Inhapuambuçu é um local sagrado para os indígenas, afro-brasileiros, descendentes de europeus e japoneses, abrangendo praticamente todas as etnias que compõem o povo brasileiro.

É fundamental reconhecer que a cauinagem faz parte de rituais ancestrais da cultura material brasileira, pré-colombiana, ainda vivos em diversas aldeias do país. Esses rituais, que variam de etnia para etnia, merecem todo o nosso amor, admiração e profundo respeito. O chamado cauim contemporâneo que estamos desenvolvendo hoje segue um caminho diferente — não pretende substituir ou simplificar uma prática sagrada, mas sim se inspirar na riqueza simbólica da mandioca fermentada para criar uma bebida que celebre a diversidade cultural do Brasil. A proposta é brindar com todos os brasileiros, em espírito de união, memória e respeito às nossas raízes.

Logo Cauim Tiakau

O cauim é um patrimônio brasileiro inexplorado, com enorme potencial econômico escalável, uma vez que etnias optem por abraçar o projeto, essa categoria é capaz de se tornar um forte agente econômico, social e estratégico, com poder de exaltar a cultura brasileira aqui e no exterior e também de promover uma grande vantagem estratégica na preservação das aldeias indígenas brasileiras e, consequentemente, dos nossos biomas ameaçados.

Como surgiu a ideia de criar um "Cauim Contemporâneo"? 

"A personalidade de uma marca está profundamente ligada à visão e à essência de seu criador. A seguir, compartilho as influências e referências que me inspiraram a criar o cauim contemporâneo - Diversos fatores contribuíram para o surgimento desta emblemática (e ainda em processo de criação) bebida brasileira. No espiritismo kardexista brasileiro, bem como na espiritualidade de algumas etnias, acredita-se que as coisas surgem primeiro no plano espiritual e depois são efetivamente criadas no nosso plano. Gosto dessa ideia e chamo esse 'Brasil do plano elevado' de Sumietama (O Mundo de Sumiê* em tupi antigo)".

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Sumé ou Simiê na represtnação Tupi Pop no qual cada um dos personagens do monumento das Bandeiras foi nomeado. Aqui vemos a representação de Sumé. Por ter ensinado os métodos e ética de caça, bem como de cultivo e domesticação da mandioca e do guaraná entre os Sateré Mawé, nesta imagem ele aparece com um animal caçado no ombro".

* Sumiê ou Sumé é um ser mítico na cultura Tupi, responsável por ensinar a "civilização" aos Tupi. Ele é descrito como um "grande feiticeiro, branco, barbudo, que veio pelo mar". Sumé é mencionado como Mairatá entre os Tapi do Maranhão e pelos Maré. Ele é o civilizador mítico dos Aimoré, descrito como um homem branco de cabelos ruivos.

Frequentemente associado a São Tomé, aquele que pregou o cristianismo além do Oriente - ele era um homem branco e loiro, às vezes retratado como albino entre os Izi do extremo norte, enquanto os Apinagé o viam como um ruivo chamado "kupe-ki-kambleg", que significa literalmente "estrangeiro de cabelo vermelho".

As referências que levaram Luiz Pagano a criar o Tiakau, O Cauim do Inhapuambuçu são inúmeras e profundamente enraizadas em experiências pessoais, esportivas, familiares e simbólicas - Divididas Grupos:

Grupo 1 - Inhapuambuçu. "O primeiro deles vem dos meus ancestrais históricos e do rúgbi, esporte que pratico desde os 13 anos.

Genograma de Luiz Pagano - desde Tibiriçá até os dias de hoje

Minha avó, Dona Zuzú, nascida na Rua Glória, nº 4, na região da antiga aldeia de Inhapuambuçu, sempre nos dizia que éramos descendentes diretos de 'indígenas importantes': (mais tarde descobri que um deles era o próprio Tibiriçá), por meio de sua neta, Antônia Quaresma, minha ancestral de 15 gerações. Essa memória oral se entrelaça com meu imaginário desde a infância. E talvez seja por isso que, sempre que passávamos pelo Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, meu pai apontava uma cena específica: os indígenas oferecendo uma bebida ao português. Ele dizia com convicção — "ali são João Ramalho e Bartira, bebendo cauim".

Vovó Zuzu com Luiz Pagano no colo ≈ 1967

Quanto ao rugby, sempre admirei o poder simbólico e o amor que nós, brasileiros sentimos pelas seleções nacionais e, no caso brasileiro, o apelido "Os Tupis", dado à seleção, sempre teve um significado especial para mim. Fiquei particularmente impactado ao assistir à partida histórica contra os All Blacks em 10 de novembro de 2018, no Estádio do Morumbi, quando os nossos jogadores brasileiros responderam ao forte haka maori com posturas inspiradas em heróis de guerra indígenas do nosso território. 

Isso incutiu em mim ainda mais fortemente o desejo de ver a cultura tupi representada com dignidade, força e beleza contemporânea.

Seleção brasileira de rugby enfrenta o haka dos All Blacks da Nova Zelândia com postura Tupi

Joguei rugby no SPAC — São Paulo Athletic Club — o clube que promoveu as primeiras partidas de rúgbi (bem como de futebol do Brasil). O primeiro jogo de futebol** foi no campo improvisado que ficava na Várzea do Carmo, um local recêm preenchido com terra retirada do antigo morro Inhapuambuçu, uma área sagrada Tupi que também guarda fortes ligações com a história da minha família. Minha avó nasceu na Rua da Glória, 4, uma área dentro da antiga Terra Indígena Inhapuambuçu. Eu mesmo nasci na Rua Dom Duarte Leopoldo (não muito longe de lá) e cresci ouvindo meus tios-avós, Pedro e Paulo, contarem histórias de caçadas e encontros com indígenas pelos interiores do Brasil.

**O primeiro jogo de futebol, nossa grande paixão nacional, foi realizado no Brasil por Charles Miller, no dia 14 de abril de 1895 em São Paulo, a partida foi realizada na Várzea do Carmo, entre duas empresas da época: a São Paulo Railway Company, o time de Charles, contra a São Paulo Gas Company, os times eram compostos em sua maioria por ingleses e funcionários das empresas.

Veja como parece existir uma inter-relação profunda entre os jogos, as guerras, o solo sagrado e a bebida na cultura tupi. Parece haver uma energia ancestral que conecta a prática esportiva à tradição ancestral beligerante dos tupis. 

O cauim, por exemplo, era consumido ao final das guerras como parte do ritual de celebração da vitória, tal qual, no rugby existe o chamado "terceiro tempo" — um momento de confraternização entre os times, com bebida e troca de respeito mútuo, mesmo entre adversários. A principal diferença é que, hoje, os tupis modernos não devoram seus adversários de combate.

Após subir posições no ranking mundial nos últimos anos, os Tupis começarão a disputa da Eliminatória para Copa do Mundo de Rugby de 2023 . foto- olimpiada do dia bola oficial de rugby da Gilbert com o brasão dos Tupis

Em outro episódio da associação do cauim com o rúgbi tupi, lembro de certa vez em que conversávamos no O'Malley's, um pub irlandês em São Paulo frequentado por jogadores de rúgbi, e especulamos sobre a ideia de criar o 'cauim tupi' como a bebida oficial dos jogadores de rúgbi — isso nunca saiu da minha cabeça.


Alguns tentam argumentar que nomear os jogadores da nossa seleção nacional de rúgbi "Tupi", além de desenvolver o cauim contemporâneo, seriam formas de apropriação cultural. Ora, O Abapuru, a mais bela e cara obra de arte brasileira, criada em resposta a ideias europeias abrasileiradas, foi uma apropriação cultural? Direi logo que não — por quê? Porque é impossível se apropriar de algo que já é nosso!!! Quer saber onde estão os Tupis do Inhapuambuçu de 1500? Eles estão presentes em todos os imigrantes missigenados de São Paulo hoje.

A Partida que Mudou a Vida dos Tupis

"Apesar da derrota por 35 a 3 no amistoso contra os All Blacks Maori, aquele jogo foi, para mim, um dia de grandes vitórias — para o Brasil, para o rugby e para o cauim. A Seleção Brasileira, conhecida como os Tupis, não apenas enfrentou uma das equipes mais tradicionais e simbólicas do mundo, mas respondeu ao famoso haka maori com uma representação poderosa da postura de guerra indígena brasileira.

Ali, em campo, vi refletido muito mais do que um jogo: vi um reencontro simbólico com as raízes tupis, com a força ancestral de um povo que resiste e se reinventa. Como ex-jogador de rugby e idealizador do Cauim Tiakau, entendi que aquele momento transcendia o placar. Era a afirmação de que temos nossa própria identidade, nossos próprios rituais — inclusive uma bebida ritualística tão sofisticada quanto qualquer vinho ou saquê: o cauim.

O jogo reafirmou minha convicção de que o Brasil precisa resgatar e valorizar seus símbolos autênticos. E, assim como o haka representa a alma dos maoris, o cauim pode ser a expressão viva do espírito tupi em nossas mesas e celebrações".

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Grupo 2 - Sake e Japão

"Se o primeiro grupo de referências do Cauim Tiakau vem do rugby e dos meus antepassados tupis, o segundo vem do Japão — uma fonte igualmente profunda e pessoal para mim.

Celso Vieira relata em seu livro "Anchieta" que Tibiriçá (batizado como Martin Afonso) interrompe um ritual de antropofagia em São Paulo de Piratininga. Na cena, Anchieta desata o Guainá enquanto Titiriçá chuta os vasos de cauim e espanta as 'velhas necrófagas desdentadas'. Este dia simbólico marca o fim das cauinágens em Inhapuambuçu em favor do vinho eucarístico, no que ficou conhecido como "O Dia em que Tibiriça Chutou o Cauim".


Curiosamente, Japão e Brasil foram abordados por navegadores portugueses na mesma época, no século XVI. Mas os desdobramentos históricos foram bem distintos. No Brasil, os portugueses exploraram as divisões internas entre os povos indígenas — como os tupinambás do Rio de Janeiro aliados a franceses, os margaias do Espírito Santo e os tupis de São Paulo (pejorativamente chamados de "tupiniquins" pelos aliados franceses) aliados a portugueses— para estabelecer sua colonização. Já no Japão, embora também houvesse conflitos entre clãs, os portugueses foram rapidamente identificados como ameaça externa e expulsos com firmeza. A colonização aqui se fez com vinho imposto, lá, o saquê permaneceu como símbolo espiritual e cultural.

Aqui, figuras como Tibiriçá — depois batizado como Martim Afonso — trocaram o cauim pelo vinho eucarístico. Lá, o saquê nunca deixou de ser central nas práticas do xintoísmo e do budismo. Isso sempre me marcou profundamente. O saquê não foi apenas preservado — foi reverenciado.

Essa admiração pelo Japão também é algo visceral em mim. Cresci no Cambuci e na Liberdade, bairros paulistanos impregnados da cultura japonesa. Estudei a língua, aprendi os rituais, mergulhei no senso de respeito que os japoneses têm pela sua herança — especialmente pela sua culinária e pelas bebidas que ela envolve. O saquê é tratado como algo sagrado, e essa reverência moldou meu olhar para o cauim.

Numa apresentação em japonês, Luiz Pagano expõe sua pesquisa, com o objetivo de tentar encontrar um tipo de koji para quebrar o amido da mandioca (semelhante ao arroz para saquê) — encontrou em Kyoto a Hishiroku Moyashi, que chegou a desenvolver cepas adaptadas para a mandioca nos anos 1970's.

Além disso, há uma conexão mais antiga entre esses dois mundos: muitos povos indígenas das Américas têm ancestralidade asiática, vindos do outro lado do estreito de Bering. Somos, em alguma medida, parentes distantes. Talvez por isso, quando decidi reinventar o cauim para os tempos de hoje, busquei no saquê a referência técnica: um processo amilolítico com koji, inspirado nos métodos japoneses de fermentação.

Luiz Pagano trabalhou extensivamente no processo de produção de saquê para desenvolver um método de produção de cauim usando cepas especiais de koji ,adaptadas às pérolas de mandioca.

Assim nasceu o Cauim Tiakau, uma bebida ancestral com espírito tupi e alma japonesa. Uma reconciliação entre o que fomos forçados a abandonar e aquilo que podemos resgatar com orgulho, respeito e sofisticação. Se o Japão preservou o saquê como tesouro nacional, por que o Brasil não pode adotar o cauim como tal?"... 

 Grupo 3 - Cauino-Gastronômico

O terceiro grupo de referências vem da crescente valorização da alta gastronomia brasileira e da busca por uma identidade culinária própria. Na virada para os anos 2000, durante as celebrações do novo milênio, eu trabalhava com a introdução da Veuve Clicquot no Brasil e tive o privilégio de atender alguns dos principais restaurantes do país, entre eles o D.O.M., do chef Alex Atala. Aquele momento marcava o início de uma nova era para a culinária brasileira: uma era em que nossas raízes indígenas, africanas e regionais passavam a ser tratadas com respeito e sofisticação.

Foi justamente nesse cenário de efervescência criativa que percebi uma lacuna gritante — apesar de toda a busca por ingredientes e narrativas autênticas em pratos e menus, faltava uma bebida nacional à altura. O próprio Atala, ao desenvolver pratos com forte inspiração nas culturas originárias, relatava a ausência de uma bebida brasileira fermentada que estivesse no mesmo patamar de qualidade de seus pratos. Vinhos e destilados estrangeiros ainda dominavam as harmonizações, e o espaço simbólico da bebida nas experiências gastronômicas de alto nível seguia sendo preenchido por produtos importados.

Hildo Sena, Chef Kalymarakaya e Luiz Pagano

Esse diagnóstico me deu um impulso decisivo para investir no desenvolvimento do cauim — uma bebida ancestral dos povos tupis, tradicionalmente fermentada a partir da mandioca. Meu objetivo não era apenas resgatar um produto indígena, mas elevar sua qualidade ao ponto de torná-lo digno das melhores mesas, das taças mais refinadas e dos paladares mais exigentes.

Desde então, levei cada novo lote de cauim para ser degustado e criticado por chefs, mixologistas e sommeliers. A ideia sempre foi dialogar com os profissionais da gastronomia brasileira para que o cauim evoluísse em conjunto com esse novo momento culinário do país. O retorno sempre foi enriquecedor: ao mesmo tempo técnico e afetivo, simbólico e sensorial.

Jantar Harmonizado com Cauim no Hotel Toriba de Campos do Jordão 

Em 2017, finalmente atingimos um patamar de qualidade que nos enche de orgulho — um cauim 100% fermentado de mandioca, com controle microbiológico, perfil aromático delicado e potencial real de harmonização gastronômica. Em maio de 2019, realizamos um jantar memorável no Hotel Toriba, em Campos do Jordão, reunindo duas pontas importantes da cultura alimentar brasileira: a chef Kalymarakaya, da etnia Terena, e o chef caiçara Fábio Eustáquio, de Ubatuba. Foi uma noite de reconciliação simbólica entre o que o Brasil tem de mais ancestral e de mais contemporâneo — e o cauim estava ali, à mesa, como mediador entre esses mundos.

Hoje, posso dizer que este grupo de referência — os chefs, os restaurantes estrelados, os sommeliers e mixologistas brasileiros — são parte essencial do renascimento do cauim. Não apenas como bebida, mas como símbolo de uma nova autoconfiança cultural: o reconhecimento de que nossas raízes são suficientemente ricas para produzir algo extraordinário, sem precisar de muletas estrangeiras.

Grupo 4 - Xe Ruba Nungara (meu pai espiritual em tupi antigo)

O quarto grupo de referências que impulsionou a criação do cauim está ligado à dimensão espiritual do Brasil — uma força invisível, mas intensamente presente, que une crenças, etnias e histórias. Sempre admirei a diversidade das religiões brasileiras, desde as tradições afro-brasileiras até o catolicismo popular e o espiritualismo de base indígena. Estudei e ilustrei mais de 240 etnias no projeto Indígenas em Toy Art, um mergulho profundo na alma dos povos da floresta, suas crenças, cores e cosmologias.

Luiz Pagano e Eurípedes, filho de Chico Xavier

No final de 2011, duas experiências marcaram esse despertar espiritual: uma visita à casa de Chico Xavier, em Uberaba, e outra a uma aldeia Guarani Mbya. Duas jornadas, em menos de 30 dias, que mostraram de maneira clara a conexão entre o Brasil espiritual e o Brasil indígena — como se ambos se encontrassem no mesmo plano de missão e destino.

No espiritismo brasileiro, há a figura do anjo Ismael, considerado o guardião espiritual do Brasil. Em minha visão, ele dialoga com Sumiê, personagem mítico de feições europeias que, segundo tradições orais, ensinou civilização aos povos tupis. É nesse sincretismo — entre espírito e ancestralidade, entre fé e floresta — que nasce a ideia de um Brasil unido em celebração e propósito.


Tive o privilégio e prazer de participar de varios rituais indígenas, e a pergunta que vinha em minha mente era "por que não criar uma bebida que pudesse reconectar os povos originários com sua história e, ao mesmo tempo, ser um símbolo de união nacional?".  Uma bebida capaz de gerar recursos para preservação ambiental, fomentar orgulho étnico-gastronômico e inspirar encontros verdadeiros?

Minha representação do anjo tutelar do Brasil, Ismael, em sua linda cachoeira dourada em Sumiêtama, com os dizeres "Ismael karaibebegûasu ’ytuberápe aîasuk, gûiîepoxy’oka" em Tupi Antigo com caligrafia Tupi Pop - tradução 'Na cachoeira dourada do Anjo Ismael, me banho e me purifico".

Foi com esse chamado interior que, ainda em 2011, comecei a empreender os primeiros esforços para criar o cauim moderno: uma bebida ancestral tupi, feita 100% de mandioca fermentada, que pudesse carregar o espírito da floresta e da fé brasileira em todos goles - como se diz em tupi, tiakaune — vamos beber, juntos.

Antiga máquina com a qual Chico Xavier escreveu seus múltiplos textos

Dessa forma, passei a viver em dois planos ao mesmo tempo. No Brasil real, onde desenvolvo o cauim a partir das raízes do Brasil ancestral — o Brasil dos povos originários —, e em Sumiêtama, um plano espiritual mais evoluído, como descrito por Chico Xavier: uma versão mais sutil, mais bela e harmoniosa do nosso país. 

Recebi bênçãos de diversas etnias para o projeto. Uma delas foi de Paulo, cacique dos Wassu Cocal: “o cauim contemporâneo já existe na espiritualidade — tudo virá para este plano em seu devido tempo”.

Esse outro Brasil — o Brasil primário em sua forma mais elevada — é como um molde espiritual que, por intuição, tentamos copiar aqui na Terra. Nele, o cauim já existe, como um nectar dos deuses, expressão de união, celebração, memória e evolução. 

Eu apenas transito entre esses dois mundos, buscando trazer para cá as belezas e os valores desse plano mais elevado.

Representação artística da capivara, mensageira de Sumiêtama, em contato com minha mãe, na casa onde nasci, na Dom duarte Leopoldo.

Entre o campo de rugby e os campos da memória da minha família, entre o gesto cerimonial do cauim e as paisagens soterradas de São Paulo, do saquê do Japão à riqueza da nossa gastronomia brasileira sofisticada, começo a montar as peças que hoje formam o Cauim Tiakau — uma bebida que busca resgatar, reinventar e oferecer ao Brasil e ao mundo um símbolo da nossa identidade ancestral, com sofisticação e reverência".

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